domingo, 25 de janeiro de 2009

ENVIE -- PT. 9

Philip não foi à escola no dia seguinte. Ele saiu de casa em seu horário normal de saída e foi ao shopping. Ele procurou se distanciar de tudo que pudésse lembrar o dia anterior, de todas as lembranças que guardaria consigo pelo resto de seus dias, de qualquer pingo de arrependimento que ele pudésse ter, mesmo achando impossível, e de qualquer coisa relacionada á sua escola. Ele fitava as vitrines das lojas, os cartazes de promoção, os vendedores bem e mal humorados, as famílias unidas para compras e as turmas indo ao cinema. Ele se sentia isolado daquilo tudo. Para ele, ele era apenas uma câmera observando o movimento dos transeuntes e reportar as anormalidades para o pessoal encarregado da segurança. Toda a sua tentativa foi em vão ao notar uma menina de visual semelhante ao de Mariana entrando numa loja de sapatos e, numa loja de eletrônicos próxima, um rapaz semelhante a Joseph saindo, com uma sacola na mão direita e acompanhando duas meninas. Ele andou depressa à escada mais próxima e ao subir, esfregou os olhos. Ele não chorava, mas tentava se desfazer da imagem.

Passou no McDonald's, comeu dois Big Macs e foi pra casa. Chegando, pegou um balde, depositou as roupas que estavam sob a cama, foi aos fundos da casa e ateou fogo nas roupas. Ali, era o momento de queimar as lembranças e sair de lá renovado. Ele se concentrou no carro de seu pai e, na esperança dele ser seu quando o pai comprar outro, algumas lembranças foram diminuídas. Quando viu que material suficiente fora carbonizado, ele usou a mangueira de regar para apagar o fogo e sacos de lixo para recolher o que sobrara e jogar fora. Como precaução, lavou o balde três vezes. As facas foram junto, enroladas em papel alumínio, o facão foi depositado num bueiro de rua horas depois.

Na manhã seguinte, ele foi à escola no horário, chegando, limitou-se a não se expressar muito, até que um momento lhe surpreendeu. Ele notou quatro cartazes com as fotos de Mariana e Joseph no corredor das salas, e dez cartolinas com assinaturas de alunos, professores e funcionários da escola pedindo a localização do assassino. Um colega de sala abordou Philip, e após perguntar por que faltara no dia anterior, comentou que a polícia esteve lá, para pegar depoimentos do corpo docente e discente da escola, para verificar se alguém era suspeito. Ao lado da porta da sala da Joseph, uma folha A3 contendo uma oração feita pelos alunos homenageando Joseph com uma foto dele em cima. Philip chorou naquele momento. Pôs a mão sobre a folha, e foi amparado por um professor de física que entrava para lecionar. O professor disse algumas palavras de consolo e demonstrou seus sentimentos pois sabia que ambos eram amigos, depois disse que a escola faria uma palestra para homenagear Joseph e Mariana no auditório após a aula, e que a escola não iria abrir nos próximos três dias de aula.

Philip enxugou as lágrimas e entrou em sua sala.

Após a aula, todos os alunos se dirigiam ao auditório para a palestra, e Philip foi ao banheiro. Ao entrar, viu o armário de utensílios de limpeza semi-aberto. Dentro, havia vários produtos de limpeza. Ele pegou um frasco e pôs na mochila.

No auditório, fotos de Joseph e Mariana num mural posto no palco, um palanque com microfone, duas cadeiras e uma caixa de som com duas velas e um castiçal em cima. Na primeira fila, os amigos mais próximos de Mariana e Joseph, na segunda, os membros da diretoria. O restante da escola ocupou as demais fileiras. O diretor entrou pela portão, subiu ao palco e se postou no palanque. Com umas folhas de papel, ele fez um discurso para homenagear os alunos, citou a feira, na qual Joseph fora campeão, e a matéria de História, na qual Mariana apresentou um trabalho que tirou a maior nota. Ele demonstrou as expectativas que tinha nos dois alunos e expressou seus sentimentos aos pais de Mariana e Joseph, os quais foram os próximos a falar no palco. A mão de Mariana, muito semelhante á filha, levou uma foto das duas juntas numa viagem e, tentando conter o choro para falar, agradeceu o apoio da escola no momento. Philip assistia a tudo da terceira fila. Ele se sentia num julgamento. E foi convidado a falar.

Ele andou devagar ao palanque, vendo as fotos, os olhares na platéia, e foi cumprimentar os pais de Mariana e Joseph. Ele conseguia sentir o sangue de suas vítimas e todas as lembranças voltaram como uma bomba ao olhar nos olhos dos pais, tornando a tentativa do balde impossível e fracassada. O pai de Joseph abraçou Philip e lembrou de uma noite em que Philip jantou em sua casa, após a execução de um trabalho de Português.

Philip subiu ao palanque e ajustou o microfone á sua altura.

- Boa Tarde a todos. - Uma pequena pausa - Joseph era um amigo muito próximo de mim. Sempre nos reuníamos quando possível para falar da vida, de trabalhos, tudo para preservar e fortalecer a amizade que tínhamos. Foi uma pessoa que me ajudou muito. Ajudou a me conhecer e a melhorar em alguns pontos. Com a Mariana eu tive menos contato, mas ainda assim, eu conhecia um pouco dela. Tivemos uma boa renuião juntos e uma vez fomos ao cinema com outros amigos. Era um bom tempo. Uma pena que ele se foi, mas assim é a vida. E temos que aceitar algumas coisas que infelizmente acontecem com a gente, e espero que aceitemos essa.

Ele tirou o frasco da mochila e leu 'Cuidado, leia com atenção as instruções de uso' e 'Mortal se ingerido'.

- Espero que aceitem isso. Eu vi Mariana e Joseph pouco depois que morreram. Na verdade, eu fui o último que os vi com vida, porque fui eu que matei eles!! E, se quiserem, eu dou todos os detalhes a vocês e à polícia. Ainda não sei se estou arrependido do que eu fiz, mas eu quis pegar de volta o que tiraram de mim. Agora vou me explicar. Adeus!

Abriu o frasco e bebeu tudo o que havia dentro. Era um desentupidor de canos, altamente tóxico. Em 30 segundos, Philip caiu no palco, teve um sufocamento causado pelo líquido tóxico, seguido de tremores. Ele parou de tremer e seu corpo parou de se contrair, relaxando totalmente e Philip fazendo uma expressão neutra. Estava morto.

Todos os presentes mal puderam expressar-se diante de tal cena, apenas a mãe de Mariana, que entrou em choque e desmaiou após a declaração. Um segurança pediu uma ambulância e chamou a polícia, para reportar o que Philip dissera. Outro segurança impediu que qualquer pessoa se aproximásse do corpo de Philip. O pai de Joseph se aproximou até onde podia e olhou os olhos de Philip. Segurando uma maleta e um lenço, ele os apertou tão forte ao ponto de quebrar a alça e rasgar o lenço. O pai de Mariana foi ao lado dele, estava no mesmo estado, ambos olhavam para Philip, a última pessoa que imaginavam ter matado seu filho.

FIM

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