sexta-feira, 3 de abril de 2009

INTITULADO -- PT. 7

Na manhã seguinte, Luis Guilherme Aikashi, o pai de Gabriel, desceu de sua Porsche para a sala do delegado.

- Você que está cuidando do caso da escola Demóstenes?! - Foi direto ao ponto, sem nem cumprimentar o delegado.

- Exato. Alguma informação sobre o caso?!

- Sim, tenho uma. Na verdade, é uma proposta. - Tirou um talão de cheque do bolso. O delegado olhou surpreso, mas não ficou indignado - Quanto o senhor quer para arquivar o caso?!

O delegado largou uma pasta que estava examinando, viu se não havia ninguém ao lado da porta e semi-fechou as persianas.

- Cinquenta mil.

- Hmm...Ambicioso..!

- Euros! E um bom pretexto!

Luis parou de preencher o cheque.

- Para o que?!

- Para o que eu vou dizer se perguntarem desse caso.

Diga que não pode falar nada e pronto. Isso não é problema meu. - Ele termina o cheque e entrega ao delegado – Outra coisa, a gente não teve essa conversa, eu não vim aqui hoje e você não me conhece! - Saiu sem se despedir, quase batendo a porta. Seu Porsche arrancou rua abaixo, rumo á sua casa.

Passados vinte e cinco minutos, Luiz Guilherme chegou em sua casa. Viu o filho ao telefone, com Rafael. Assim que viu o pai desligou o telefone e perguntou como foi.

- Já resolvi tudo. O delegado foi um pouco acima do que eu imaginava, mas já está tudo resolvido.

Gabriel esboçou uma sensação de alívio, respirou fundo, e estava a caminho da cozinha, quando o pai lhe segurou pela gola da camisa.

- Presta bem atenção, muleque. É a última vez que eu fiz costa-quente pra você. Daqui pra freente, tá sozinho. Não pense que eu não acho que vocês tiveram alguma coisa com o desapareciemtno do muleque. Mas a essa altura do campeonato, eu me recuso a deixar esse caso ferrar minha eleição. Então, colabora, muleque!! - Empurra Gabriel, que quase esbarra no armário de bebidas. Seu pai o empurra novamente em direção á cozinha – Vai, se mexe, cara!

Os pais de Jorge passaram os últimos dias, na sua totalidade, preparando o funeral do filho. Foram convidados André, Johnny, Laysa, suas famílias, os parentes de Jorge que estavam na cidade, e alguns membros do corpo docente da escola. Todos prontamente apareceram e expressaram seus sentimentos. Lágrimas corriam pelo rosto da mãe de Jorge, que segurava uma foto sua com o falecido filho, e tentava repetidamente não olhar para o caixão, fechando os olhos e se abraçando com seu marido. Izabella levou uma caixa de flores e as jogou sobre o caixão. Laysa, André e Johnny também levaram algumas rosas e as colocaram ao lado da lápide. Junto com elas, uma carta escrita pelos três. Laysa pediu ao padre que lêsse a carta durante a missa. Ele atendeu ao pedido e, logo após rezar a missa emhomenagem a Jorge, pediu a atenção de todos que estavam presentes, e recitou as palavras dos amigos. Laysa foi ao encontro da mãe de Jorge, e lhe mostrou um anel que Jorge havia lhe dado de presente de aniversário. Os pais de Laysa a seguiram. Sua mãe abraçou fortemente a mãe de Jorge, em seguida tirou um cartão de visitas de sua bolsa e lhe entregou.

- Qualquer hora que você precisar conversar, me liga.

- Obrigada. Muito obrigada pelo apoio – Conseguiu responder em meio aos soluços.

André apoiou a amiga, ao lado de Johnny.

A cerca de 50 metros dali, Bruno observava o enterro. Suas lágrimas batiam em seu queixo e caíam ao chão. Quando sentiiu que alguém notara sua presença saiu correndo. Parou numa esquina vazia, com um bar, um prédio comercial e um barbeiro. Os estabelecimentos não estavam com movimento. Ele se sentou na calçada e olhou para o seu reflexo no bueiro, formado por uma poça d'água. Não conseguia pensar, falar ou respirar direito. Apenas pensava no menino que perdera a vida em suas mãos. Só pensava no seu rosto, na expressão de medo nos olhos de Jorge, e no calor que saía da boca de Rafael, enquanto ameaçava o garoto, rindo de seu desespero, e no brilho de uma das espadas da coleção de Gabriel, passada em frente ao rosto de Jorge, e o reflexo em seu rosto. Sentia-se extremamente culpado pelo que houve, e achava que deveria ser condenado á morte, por uma corte marcial altamente severa, uma caça ás bruxas, ou coisa do tipo.

Foi andando lentamente para casa, no caminho passou em frente a uma livraria. Parou um segundo para ver os materiais á venda, se algo lhe chamava a atenção para tentar esquecer a última meia hora. Dentre os livros na vitrine, entre culinária, biografias, infantis e revistas, o penúltimo livro da estante, de capa dura, azul, e sob o título 'Crianças superdotadas' havia um menino. Bruno prestou atenção, mesmo tentando desviar seu olhar, e aquele menino, de casaco de capuz vermelho era quase idêntico a Jorge, e aparentemente encarava Bruno com uma expressão fria. Um pouco á direita de seu rosto, a frase em roxo 'Eles!' fez Bruno olhar diretamente para a sua direita, num susto. Depois de olhar o seu redor, voltou sua atenção para o livro, que continha apenas o título, e um menino que em nada se parecia com Jorge.

(Continua...)

INTITULADO -- PT. 6

Johnny fixou a atenção na porta da escola. Viu o delegado e o diretor na porta. Houve um aperto de mãos e o delegado entrou na viatura, acompanhado por um outro policial. Johnny desceu de onde o carro estava, despediu-se de sua mãe e entrou na escola. O pátio não estava cheio, e Gabriel não estava.

- Johnny! - André o chama, colocando a mão sobre seu ombro.

Johnny leva um susto.

- O que?!! Ah, oi André!

- Nossa, cara, tá tudo bem?!

- Eu não diria...

Os dois foram até a sala, Johnny sempre olhava para os lados. André tentava alcamar o amigo.Ao final da aula, Johnny permaneceu na sala. André ficou ao lado dele. Podiam ver a sala vizinha ser rapidamente evacuada. Seguiram o grupo de longe. Este entrou num ônibus. Rumo à delegacia, pensaram os dois.

- Você viu a Laysa, hoje?! - André olha para o corredor.

- Não, verdade! Será que ela faltou hoje?!

- Sei lá, ela nunca falta!

Eles desceram as escadas, vendo se achavam a amiga. Johnny pegou o celular e a chamou pela discagem rápida. Laysa estava atrás da quadra, chorando. Eles evitaram correr para não chamar a atençao, mas seguiram depressa. Encontraram Laysa assoando o nariz e enchugando os olhos. Johnny põe a mão sobre a cabeça dela. Ela mostra o celular com uma mensagem recebida durante o intervalo.

- “Se eu tiver que falar com o delegado, você e seus amiguinhos não terão um dia fácil!” - Johnny lê o texto. Ele devolveu o celular para a Laysa e pôs a mão sobre o rosto. - Me fala que eles foram junto com a sala!

- Acho que foram.

- Anda, vamos sair daqui!

- Pra onde? - André hesita

- Sei lá, qualquer lugar! Pensa! Eles vão procurar a gente aqui quando saírem!

Os três arrumaram suas coisas para sair. Laysa parou no banheiro para se recompôr. Foram ao shopping, e entraram num McDonald's.

O ônibus voltava a ficar cheio, na frente da delegacia. O professor observou Rafael e Gabriel entrarem nele. Olhou para o delegado, que a chamara.

- Fica de olho neles!

Rafael e Gabriel sentaram-se nas poltronas 07 e 08. Rafael encara o colega.

- E agora?!

- A gente conversa na escola.

Assim que o ônibus saiu, ambos andaram juntos para a esquina.

- O que você falou?!

- Que era tudo implicância dele. Só porque uma vez a gente ficou de castigo ele resolveu por a culpra toda na gente, por qualquer coisinha. Acho que esse idiota não aprendeu a calar a boca. E você, falou o quê?

- Que a gente tinha pego suspensão, depois os serventes ficaram de olho na gente. Falei que eles tinham colado aquelas coisas no armário pra culpar a gente. Cara, a gente não devia ter feito aquilo...

- Foda-se, cara! Já foi!! Eu vou é cuidar desses caras, antes que a gente se ferre. Mas eu vou fazer uma coisa antes. Acho que o meu pai pode dar uma mãozinha.

Rafael entendeu de cara. Despediu-se do amigo e pegou um ônibus. Gabriel pegou o celular e fez um telefonema.

(Continua...)

INTITULADO -- PT. 5

Johnny entra na sala do delegado. Não dirige a palavra a ele, nem o encara nos olhos.

- Senhor Johnny Willians?

- Sim, senhor - Johnny responde baixo, olhando para a mesa.

- O senhor era próximo do sr. Jorge Teixeira Lopes?

- Sim, senhor. A gente estudava na mesma sala. Inclusive marcamos um estudo em grupo para sábado, para uma prova de biologia na semana que vem. Foi na hora do intervalo, quinta passada.

- Aonde estava no dia do crime?

- A gente saiu da sala, fomos comer alguma coisa na cantina. Depois eu fui pra minha casa. Tinha uns moleques que ficavam enchendo a gente, por causa do que aconteceu com a Laysa, acho que ela já deve ter contado isso. Daí eu fui pra minha casa e ele esperou pela mãe dele.

- Quem foi te buscar na escola?

- Minha mãe.

- O que fez depois?

- Eu fiquei fazendo um trabalho de redação em casa.

- A srta. Laysa e o sr. André comentaram sobre três rapazes, Rafael, Gabriel e Bruno. Pelos relatos, eram três rapazes que frequentemente incomodavam vocês, sendo necessária a intervenção dos pais do sr. Jorge. Ainda de acordo com seus amigos, um desses rapazes, o sr. Rafael Andrade, havia perturbado vocês com mais freqüência, chegando a colar imagens obscenas nos seus armários, cortejar a srta. Laysa de uma forma desrespeitosa e ameaçar vocês. Isso tudo lhe confere, sr. Willians?

- Sim, senhor! - Johnny teve a mesma reação dos amigos ao ouvir o nome dos rapazes, porém estava mais enraivecido.

- Algo a acrescentar?

- Tenho, sim! - Johnny o encarou nos olhos pela primeira vez. Sua expressão era um misto de raiva, rancor e desespero – creio que seja uma conseqüência desse fato, a minha presença aqui, ou um pouco mais do que isso. Esse outro, Gabriel, Gabriel Aikashi, era um colega de sala do Rafael. Eles se conheceram na quinta-série, quando foram para a diretoria depois de uma 'treta' no recreio. Dali pra frente, eles estavam sempre andando juntos, eu nunca via eles separados. A não ser depois da aula, em alguns dias. A classe deles era vizinha da minha sala, ano passado. O Jorge estudava comigo. Um dia a gente estava na cantina, e eles sentaram perto da gente. Foi como se o Rafael quisesse apresentar o novo amigo para a gente. Eles jogavam batatas-fritas na nossa cara, quando eu falei que ia chamar o servente, o Gabriel tirou uma faca da mochila. Ele pôs de volta pra ninguém ver, veio até mim e disse pra não falar nada, se eu gostásse da minha vida. E as ameaças continuaram. Além disso, foi dele a idéia de colar aquelas fotos nos nossos armários.

- O senhor chegou a fazer alguma queixa contra ele?

Johnny abaixou a cabeça de novo. Ele rezava para não ouvi mais uma ameaça, ou coisa pior, depois de ter feito seu relato.

- Não, senhor. Aliás, essa é a primeira vez que eu falo sobre isso, sem ser com o Jorge, a Laysa ou o André.

- Você não sabe que esse tipo de denúncia é feito sob sigilo, sr. Willians? Ninguém teria como saber que foi você.

- Eu sei disso. Mas se ele desconfiásse que alguém sabe disso, sendo eu, ou não, ele iria me culpar. Eu vi ele fumando maconha perto da escola, não relatei também.

O delegado esfregou a testa. Via á sua frente um rapaz quase traumatizado, e uma testemunha em potencial, mas com um problema sério e um amigo falecido.

- É o seguinte, rapaz. Eu vou ter que chamar esses rapazes para prestar depoimento...

- Não, senhor, por favor! - Johnny o interrompeu sem hesitar.

- Me ouve, pelo menos! Eu direi que estamos chamando todos os rapazes para depoimento, a gente chama toda a sala deles. Qual é?

Johnny pensou por uns três segundos. Olhou para a parede, em busca de alguma imagem que pudesse lhe oferecer conforto.

- Sala 21, segundo andar.

O delegado anotou em seu papel. Anotou os detalhes de depoimento de Johnny, e o nome Gabriel Aikashi. Depois recostou-se na cadeira.

- Algo mais?

- Não, senhor?

- Pois bem... - O delegado pegou uma folha, uma caneta e entregou a Johnny – Coloca seu nome, telefone e e-mail.

Johnny o fez e deixou a sala.

André estava tomando um refrigerante. Seu pai, café. Laysa estava roendo as unhas, olhando para um quadro na parede. Os três sentados num sofá. Levantaram quase que ao mesmo tempo, quando Johnny deixou a sala.

- E aí, o que aconteceu? - André quebrou o silêncio.

- Ele vai chamar toda a sala do Rafael pra depoimento.

- Vai dar em alguma coisa? - Laysa tenta esboçar uma esperança.

- Vamos ver!

O pai de André os levou de volta às suas casas. Ele descia em todas e tinha uma breve conversa com os pais. A compreensão e colaboração veio de todos. Johnny subiu devagar as escadas. Não falou muito com os pais, apenas o que queria para o jantar. Tentava se sentir aliviado por desabafar com alguém. Obviamente temia a retaliação. O rosto de Gabriel vinha á sua cabeça repetidamente. Ele passou a noite em claro.

No dia seguinte, Johnny via uma viatura da polícia ao lado da escola.

- Para aqui, mãe!

- Mas a gente não chegou!

- Mãe, encosta!!

(Continua...)