quinta-feira, 21 de maio de 2009

INTITULADO -- PT. 12

Passaram por uma fonte, aonde tomaram sorvete e falaram sobre filmes favoritos. André gostava de 'Star Wars', Johnny adorava a série 'Alien' e Laysa tinha um DVD de 'Curtindo a Vida Adoidado' que ela assistia com muita freqüência. Ela se imaginava dirigindo uma Ferrari algum dia, queria sentir como era estar no topo de um prédio de 100 andares e num estádio lotado, ainda que nem conhecesse os times e pouco conhecimento acerca do jogo que iria prestigiar.

Gabriel não foi citado na conversa. Para os três, as palavras que o representavam não tinham qualquer semelhança com o momento que estavam. Não havia uma nuvem no céu, e os raios de sol que chegavam às dependências do parque não lhes afetavam de forma alguma.

Pela outra mão, Gabriel passara todo o dia pensando em Laysa. Não estava surpreso por ter levado uma bolsada dela. Se estivesse em briga apenas com Johnny ou André, ela faria o que pudesse para defendê-los.
Ele desligava o telefone. Saíra de uma conversa com dois rapazes. Rabiscava umas setas em um mapa. Não era o de sua casa, nem de um banco ou uma loja. Algo que era convencional a ele. Tinha quinze mapas em seu quarto, dez deles pendurados na parede, todos do Extremo Oriente. Seu avô veio de lá no final do século XIX, trazendo consigo mercadorias, roupas e espadas de samurai e uma infinidade de livros em japonês. A coleção de itens samurai fora ampliada ao longo das viagens que o pai de Gabriel fazia ao Japão. Ele e seu pai conseguiram erguer uma firma que vendia componentes de peças japonesas no Brasil, Komozaki Peças, com uma loja na Liberdade, aonde costumavam comer, beber e cantar nos karaokês.

Assim que terminou os rabiscos no mapa, guardou-o em seu armário e começou a limpar suas espadas, como fazia duas vezes ao mês. Passava somente produtos trazidos do Japão pelo seu pai, e cuidadosamente o fazia. Sua coleção já abrangia trinta e seis espadas, todas enfileiradas, e separadas em blocos de seis. A tarefa tomou dele uma hora e quatro minutos. Já chegava ao último bloco. O das mais recentes trazidas. Notou que, das seis, cinco tinham manchas vermelhas. Não sabia a natureza das manchas, mas logo tratou de removê-las. Quando pegou a primeira, viu que a mancha formava um 'J'.

- Impossível!! PAI!! - Lembrou-se de que seu pai não estava em casa.

Não se lembrava da mancha, ao ganhar a espada. Passava o pano por cima, e a mancha sequer clareava. Já se sentia deveras incomodado com o fato. Largou a espada e pegou outra manchada para tentar limpar e viu que outra letra se formava. 'O'. Seus olhos fitavam todas as manchas e completaram o nome 'JORGE'. Ele se levantou num salto, mas tentou crer que era uma coleção de outrem que seu pai comprara. Seria mera coincidência, não fosse a janela se fechando em seguida. A lâmpada do teto se apagou, e uma luz verde incandescente surgia no meio da parede. Escrevia uma mensagem em letra cursiva. “Eles vem, se você chama”.

Gabriel pegou a espada mais próxima da porta e saiu de seu quarto e desceu as escadas sem nem ver aonde pisava. Deixou a casa e jogou-se ao chão no quintal dos fundos. Dali a cinco minutos ele se levantou, foi à cozinha e lavou seu rosto por seis vezes. Ao tentar ver o quarto, com a espada em mãos, testemunhou a janela aberta, nenhuma mensagem na parede e nenhuma mancha nas espadas.

Seus mapas guardados ainda continham os rabiscos que fizera.

Ele não passou muito tempo no quarto depois do ocorrido. Não fez como Bruno e Rafael, ele seguiu com o dia, como se tivesse passado por um pesadelo e este havia terminado.

Nada relatou ao seu pai quando este passou pelo salão subindo à suíte. Apenas desceu ao porão e pegou umas ferramentas.

Johnny, Laysa e André deixaram o parque ás três e cinco. Cada um seguiu à sua casa. Deixaram o assunto da saída da escola numa breve pausa. Tiraram o dia para atualizar outros assuntos e falar sobre alguma coisa que lhes remetesse boas lembranças. Para pessoas da idade deles, já era um fardo grande ver o nome de um amigo escrito em uma lápide.

O segundo dia de suspensão acordou ás dez da manhã. Johnny e André esperavam por Laysa na saída da escola, de onde foram a um cinema. Johnny e André tiveram de voltar logo após para casa, por causa das lições de casa que tinham que adiantar. Qualquer dúvida que pudesse surgir era resolvida com um rápido telefonema.

O terceiro dia ocorreu de forma bem semelhante. Laysa trouxe as anotações das aulas e os três discutiam assuntos relacionados ás matérias.
O quarto de Gabriel não teve outra ocorrência de brutal aparição e desaparecimento. Ele circulou pelo perímetro tentando se esquecer do fato.

Seu telefone tocou por duas vezes durante a noite. Uma página inteira com números, nomes e endereços bem no meio da mesa. Um maço de cigarro, três livros, um caderno, um relógio, um controle de televisão e DVD e uma câmera digital cobriam o marrom da mesa.

Ele desligou o segundo telefonema ás 21:30. Pôs o celular sobre a mesa, marcou dois 'X's no caderno e desligou as luzes.

Às 04:38 AM, Gabriel levantou da cama em um salto. Sua camisa inteira suada e o coração acelerado, ele acabara de sair de um pesadelo. Ele andava por uma calçada, quando foi atacado por um cachorro. Um pastor alemão pulou sobre ele, mordendo seu pescoço, seus braços e sua virilha. Quando ele conseguiu tirar o animal de perto de si, Jorge estava parado no meio da rua. Andava com a mesma roupa que usou no último dia em que viu Gabriel tirar um pedaço de fezes de cachorro em sua calça. O pastor pulou sobre Gabriel novamente, derrubando-o no chão, Jorge se aproximou dele e apenas disse:

- Pára!

Gabriel acendeu a luz e viu seu quarto exatamente como estava, pouco antes de se deitar. As cortinas paradas na mesma posição, o celular desligado sobre a mesa e a porta trancada.

Segunda-feira. 13:15. A maioria dos alunos deixava os portões da escola. André, Johnny e Laysa andavam juntos pelo corredor, como sempre faziam. Gabriel já havia descido. Seguindo a rotina do dia-a-dia, esperavam por seus pais frente ao portão principal. O pai de André foi o primeiro a chegar, buscando-o. Johnny guardava o caderno na mochila, Laysa ligava o celular. Ambos ouvem seus nomes sendo chamados por um colega da sala. Foram chamados para ir uma quadra após a escola. Viram algumas pessoas andando pela calçada, mas ninguém conhecido. Um carro parava na calçada, de onde desceram dois rapazes, cerca de 25 anos de idade, e discretamente colocaram canivetes contra as nucas dos dois.

- Entra. - Foi tudo o que ouviram.

(Continua...)

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