quinta-feira, 21 de maio de 2009

INTITULADO -- PT. 8

Bruno passou o dia seguinte, durante todo o tempo, trancado no quarto. Saiu apenas três vezes, todas para ir ao banheiro e pegar alguma coisa na cozinha. Voltava correndo para o quarto, apenas olhando para o chão. Sua mãe, que voltara para casa mais cedo, estranhou seu isolamento no quarto. Bruno afirmou ser apenas um mal-estar. Quando sua mãe entrou no quarto, Bruno estava deitado na cama, com uma toalha sobre a testa. O garoto suava demais. Boa parte da fronha do travesseiro estava molhada, assim como a camiseta que estava vestindo.

-Filho, você não quer tomar um banho quente? Quer que eu prepare alguma coisa?
-Vou tomar depois, mãe. Ah, você me traz um mamão, por favor?!
-Tudo bem!

Ela se levantou e deixou o quarto. Bruno ficou olhando para o teto. Seus olhos fitavam a lâmpada, a poucos metros sobre a sua cabeça. Em mais uma tentativa de esquecer Jorge, ele se concentrou na lâmpada e numa aula que teve, uns meses atrás, sobre a eletricidade. Sua mãe bate na porta e entregou o mamão. Ele se levantou e começou a comê-lo. Bem devagar, tirando todas as sementes, primeiro. Quando estava para comer a segunda metade, seu telefone tocou.

-Alô?
-E aí, cara?!
-Quem fala?
-Como 'quem fala?'? Sou eu, Rafa!
-Ah, e aí?!
-Cara, a gente vai dar uma festa amanhã á noite, quer vir?! - Bruno não tinha a menor idéia do que estava acontecendo, e nem se sentia disposto a ir a uma festa. Porém, dada a amizade que tinha com Rafael, aceitou o convite.
-Que horas vai ser?
-A gente vai começar umas nove horas.
-Beleza, então! Vai ser na sua casa, mesmo?!
-Vai! Agora olha só, e vê se não conta pra ninguém! O pai do Gabriel fez o delegado arquivar o processo! A gente tá livre, cara! - Bruno não se sentia aliviado ao ouvir aquilo, mais do que isso, sentia-se ainda mais culpado – Pode ir pra escola tranqüilo!
-Ah, tá, bom, bacana, cara – Sua voz refletia o que sentia no momento – Te encontro lá, então! Tchau! - E desligou o telefone, sem que ouvisse uma resposta do colega.

A casa de Rafael recebeu várias pessoas, o dia todo. Decoradores, um DJ, dois 'barman's, dois garçons e um motorista foram recebidos por Rafael, recebiam instruções, acertavam orçamentos e combinavam horários. Tudo estava marcado para ás nove horas da noite do dia seguinte. Era véspera de feriado. Rafael cuidou de tudo até as altas horas da madrugada, nada poderia ficar para o dia seguinte. O rapaz já estava sendo tomado pelo sono, quando sentou-se numa cadeira da cozinha e abriu uma cerveja. Organizou as listas que fez para a festa e levou para o seu quarto. Deixou todas empilhadas na mesa de seu quarto e foi para o banheiro, levando sua cerveja consigo. Já eram duas e meia da manhã. Ele tirou sua camiseta e estava para tirar o tênis do pé direito, preparando-se para tomar banho. Abriu a porta do box e se deparou com uma grande onda de vapor saindo dele.

-Cacete, quem deixou o chuveiro aberto?!

Abriu a janela e a porta do banheiro, para o vapor sair, quando se voltou para o box, viu um menino enforcado na ducha. Rafael sentiu seu coração chegar á sua boca. Quando pôs o pé para fora, para chamar alguém, o menino o chama.

-Se vocês calarem a boca dele, eu calo a sua. Pra sempre...

Rafael reconheceu a voz de Jorge. Não podia acreditar que o menino enforcado era o mesmo que haviam matado há alguns dias. Rafael sentiu um arrepio que tomou seu corpo por inteiro e seus olhos quase saltaram. Ele fechou a porta do box com força, quase quebrando a porta. Quando a abriu de novo, bem devagar, o box estava vazio, e não havia vapor algum.

Saiu do banheiro correndo para o quarto de seus pais. Revistou todas as gavetas da penteadeira de sua mãe. Em meio a gavetas de fotografias antigas, pentes e grampos de cabelo, havia uma com remédios. Sua mãe tomava calmantes nos dias de TPM, todos receitados pelo seu médico particular. Rafael abriu a gaveta e começou a procurar por um desesperadamente, jogando todos os que não eram do efeito desejado no chão. Quando visualizou a tarja preta, com um 'Z' marrom em cima, logo pegou a caixa, rasgou-a no meio e pegou uma cartela inteira. Enquanto corria para a cozinha em busca de um copo d'água, arrancou três comprimidos de cartela e os jogou em sua boca, o copo só serviu para engolir o último. Suas pernas o fizeram desabar, e ele se arrastou para debaixo do fogão, aonde dormiu.

Quando a mãe de Rafael chegou em casa, o som de sua entrada não foi suficiente para acordar Rafael. Fazia duas horas que ele havia dormido. Sem resposta do seu chamado, a mãe subiu para o quarto, aonde se deparou com uma trilha de caixas de remédios, pírulas e cartelas vazias, que davam na penteadeira. Enquanto arrumava-os de volta, pensava em como punir o filho pelo ato não autorizado. Enraivecida, entrou no quarto de Rafael, abriu a primeira gaveta de sua mesa e espalhou seus Cds pelo chão. Ao entrar na cozinha, ela tropeçou nos pés de Rafael.

-Car..ho, muleque!!! Levanta daí agora.

Rafael manteve-se imóvel. Sua mãe o agarrou pelo pescoço, e começou a sacudí-lo. Rafael acordou no susto. E berrou na cara de sua mãe, que o largou no chão.

-Que você tá fazendo aí?!!!

Rafael não contou sobre a aparição, não teria credibilidade alguma. Inventou que foi assaltado, e precisava de um calmante, para não ter um ataque cardíaco.

-Vê se pede da próxima vez – E a mãe sai, sem dizer mais nada.

Rafael voltou para o quarto, e passou o dia de maneira muito similar a Bruno. Saíra apenas duas vezes, uma para ir ao lavabo, não tinha coragem para voltar ao banheiro, e a segunda para atender um telefonema, de uma das pessoas que iriam trabalhar na festa. Era o DJ, perguntando que trilha Rafael preferiria que tocasse. Ele disse para começar com uma trilha de músicas mais antigas, as famosas discos dos anos 60 e 70, e depois tocar algo mais atual, a começar pelas músicas mais tocadas na baladas dos tempos atuais. A conversa fez Rafael esquecer o evento no banheiro. O telefonema ocorreu ás nove e meia da noite. Até aquele momento, Rafael passara todo o tempo no quarto, tentando se convencer de que tudo fora apenas uma ilusão sua, de que nada teria a ver com Jorge, e que, graças ao pai de Gabriel, ninguém ficaria sabendo do que aconteceu, tampouco viriam atrás dele.

(Continua...)

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